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Foto do escritora palavra solta

Abrindo sonhos não fecham jamais

por Juliana Thiré de Negreiros





1- Tenho sido acompanhada por três moscas desde o mês de maio deste ano. São as mesmas três moscas desde maio. Em agosto chorei de agonia, perseguida, perguntando a elas que diabos estão querendo comigo. De manhã cedinho elas me acordam, pousando na minha cara. São elas que me fazem levantar no horário que preciso se eu perco o despertador, assim tem sido. Primeiro fazem cosquinha nos meus braços, pernas, e eu levanto mesmo quando elas começam a pousar na minha cara.





2- Vou saber defender minha alegria, tudo aquilo em que acredito, que é o que vi de mais bonito como exemplo de viver. Tenho ainda alguma cola, pra sempre lembrar da minha escola Nossa Senhora de Lourdes, do estudo dos milagres do “nosso senhor Jesus Cristo”. Sou um anjinho vesgo dentro do vale de mim mesmo, não conheço o vocabulário desta terra que já passou. Invento o agora com a profunda necessidade, qualquer uma que apavora esse meu poço de saudade. Tudo o que está dentro, nos sonhos, há de ter lugar aqui fora. Só é preciso tatear com delicadeza. Havendo dor sentar com ela junto à mesa que se arrumou. Varrer a casa honestamente, pendurar as roupas na arara. Arara arara arara arara.






3 - Minha bisa Marinha, lembro de ouvir sua voz enorme cantando o meu nome, cantando o nome das pessoas todas, com agudos e vogais alongadas, mastigando cada consoante, saboreando a si mesma, a própria teia sofisticada do seu corpo seus recursos de produção de sensações e sentidos. Sua casa tinha tanta personalidade, afeto, era enorme e quente, diferente das casas enormes que vejo em novelas e revistas, ou que conheci pessoalmente. Tinha sala de ensaio e luz aconchegante, cobertores e tapetes, comida, planta, vaso, pedra, terra, água, almofada. Só devia ter casa enorme quem soubesse esquentá-la. Lembro de você penteando meus cabelos e os da minha amiga, nós peladas no seu banheiro. Lembro do anexo que tinha no seu banheiro, misterioso, separado por uma cortina, reservado pros cuidados de si, simples e poderoso, espaçoso, quente, feminino, leonino, translúcido. Você dizia às coisas da vida “cuidado que a vida está passando por aqui”.





4 - Pego um trabalho atrás do outro, qualquer coisa que me aparece pra pagar o meu teatro. Os trabalhos deste mês estão sendo todos sobre o bicentenário da “Independência do Brasil”. Tristeza de narrativa. Tá pipocando de peça com esse tema no Rio de Janeiro, porque saiu um edital pra isso e os editais é o que tem pingado algum dinheiro nas tantas iniciativas culturais. Pelo menos no teatro, como é natural do trabalho nosso saber o que estamos dizendo, somos intimados a rever o que e como estamos dizendo, e com isso vamos tentando ir um pouco mais fundo, tanto quanto possível. Em um dos trabalhos estou interpretando uma proprietária de escravizados, entre a caricatura e a alegoria, e fazendo vazar na atriz que interpreta o compromisso da oralidade, de dar luz aos imaginários libertadores, divulgar o que fica sendo um não-assunto em muitos meios. Como eu gosto de fazer listas virarem outros tipos de texto, eis um dos exercícios ainda iniciante que chamo de “tempo misturado - 5 séculos de medo do Haiti e contando”


Maria Isabel Breves: “Acham que esses mocambos me assustam? Que vão atrapalhar o negócio que mal comecei? Também tenho minhas tradições. Se não se rendem pela divina salvação, é pelo corpo que lembrarão de sua condição. Salmoura ou suco de limão depois de algumas chibatadas e dirão rapidinho os trajetos do Quilombo do rio Vermelho, do Urubu, de Jacuípe, de Jaguaribe, de Maragogipe, de Muritiba, de Campos de Cachoeira, Orobó, Tupim e Andaraí, de Xiquexique, do Buraco do tatu, de Cachoeira, de Nossa Senhora dos Mares, do Cabula, de Jeremoabo, do rio Salitre, do rio Real, de Inhambuque, e dos de Jacobina até o rio São Francisco, na Bahia. Do Quilombo de Capela, de Itabaiana, de Divina Pastora, de Itaporanga, do Rosário, do Engenho do Brejo, de Laranjeiras, de Vila nova, de São Cristóvão, de Maroim, de Brejo Grande, de Estância, de Rosário, de Santa Luíza, de Socorro, do rio Cotinguiba, do rio Vaza Barris, em Sergipe. Uma boa curra recompensada e descubro quantos índios e negros estão no Quilombo do Ibura, no de Nazareth, de Catucá (extensão do Cova da Onça), no do Pau Picado, do Malunguinho, de Terra Dura, do Japomim, de Buenos Aires, do Palmar, de Olinda, do subúrbio do engenho amorim, de Goiana e de Iguaraçu, em Pernambuco. Alguns dentes quebrados e tenho desenhadas as rotas do Quilombo da lagoa Amarela (Preto Cosme), do Turiaçu, de Maracaçamé, de São Benetido do Céu e do Jaraquariquera, no Maranhão. Do Quilombo do Cumbe, da serra de Capuaba, de Gramame (Paratuba), e do Livramento, na Paraíba. E também do Quilombo do negro Lúcio (ilha dos Marinheiros), do Arroio, da serra dos Tapes, de Manuel Padeiro, do município de Rio Pardo, do quilombo na serra do Distrito do Couto e no município de Montenegro, no Rio Grande do Sul. Em Santa Catarina sei da Alagoa, da Enseada do Brito, falta saber desses outros menores que estão dando muito trabalho. Dos quietinhos vou arrancar as unhas até saber das as estratégias do Quilombo do Ambrósio (o Grande), do Campo Grande, do Bambuí, do Andaial, do Careca, do Sapucaí, do morro de Angola, do Paraíba, do Ibituruna, do Cabaça, de Luanda, Lapa do Quilombo, do Guinda, da Lapa do Isidoro, do Brumado, do Caraça, do Inficionado, dos de Suçuí e Paraopeba, dos da serra de São Bartolomeu, de Marcela, do da serra de Marcília, em Minas Gerais. Dos de São Paulo, dos Quilombos dos Campos de Araraquara, da cachoeira do Tambau, dos que estão à margem do rio Tietê, no caminho de Cuiabá, das cabeceiras do rio Corumateí, de Moji-Guaçu, dos de Campinas, do de Atibaia, de Santos, da Aldeia Pinheiros, de Jundiaí, de Itapetininga, da fazenda Monjolinhos (São Carlos), de Água Fria, de Piracicaba, de Apiaí (de José de Oliveira), do Sítio do Fort, do Canguçu, do termo de Parnaíba, da freguesia de Nazaré, de Sorocaba, do Caruru, do Pai Felipe, e do Jabaquara, lembrar meus compadres de marcar a ferro quente que é pra identificar fácil na próxima vez que fugirem. Nos meus mais caros, que trato a pão de ló, vou saber do Quilombo de Manuel Congo, dos às margens do rio Paraíba, dos da serra dos Órgãos, dos na região de Inhaúma, dos Campos de Goitacazes, o quilombo do Leblon, o do morro do desterro, e as bastilhas de Campos, no Rio de Janeiro. Não terei outra opção a não ser a máscara de flandres, que não deixa falar, respirar e comer por algumas boas semanas. E antes que se espalhem as notícias do Oiapoque, Calçoene e Magazão no Amapá; do Alenquer (rio Curuá), dos Óbidos (dos rios Trombetas e Cuminá), Caxiu, Cupim, Alcobaça e Cametá, no Tocantins, de Mocajuba, Gurupi, Anajás (lagoa Mocambo e ilha de Marajó), no Pará; do Turiaçu no Maranhão e do Quilombo de Felipa Maria Aranha na margem do baixo Tocantins, terei aplicado o garrote: meu preferido: cadeirinha inofensiva, mas com banda que vai no pescoço e numa manivela, que vou girando, girando, até esquecerem seus nomes, pra que em 2022, ao contarem a história deste país em todo tipo de veiculação cultural, ainda ninguém ou quase ninguém saiba o nome desses quilombos e revoltas enormes por tudo quanto é parte desde sempre! E quando abolirem a escravidão por qualquer burocracia, que na prática levantemos outros modos de extermínio tortura e cativeiro como imensas cadeias, que trabalhem duro e miseravelmente, perambulem famintos, deprimidos e ansiosos, por tentarem inventar uma verdadeira independência.”



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“Um estudo realizado pela Base de Informações Geográficas e Estatísticas sobre os Indígenas e Quilombolas do IBGE estima que em 2019 existiam 5.972 localidades quilombolas no Brasil.https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/21311-quilombolas-no-brasil.html#:~:text=Um%20estudo%20realizado%20pela%20Base,5.972%20localidades%20quilombolas%20no%20Brasil.

Fonte lista principais quilombos brasileiros


13 nas urnas.


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