de Gabriel Bustilho
há dias em que a rua é uma casa
arruinada
e descubro que estou (que, aliás,
sempre estive) despedaçando
às três da manhã não
poderia reconhecer-me
como também não posso
quando estou sóbrio e trabalho
não haveria clarabóia possível
que enxergasse um sol a pino
mas trabalha a água-furtada
de meu rosto contra o piche do tempo
e se digo sou um monstro
sou também um homem
as unhas inteiras o coração
partido e nada se distingue
sei que é impossível ver-se à beira
quando se é o abismo
e que apesar das lâminas
do meu corpo se desfazendo
- uma inútil granada
que nunca explode -
posso estar (e estou)
a tentar não ferir os outros
mas a isso antes se deve outra tarefa
a de tentar não amar alguém tão
de perto com esse corpo estilhaçado
e aprender que sozinho posso muito
e muito e muito
BIO: Gabriel Bustilho nasceu no Rio de Janeiro, em setembro de 1997. É graduado em Letras pela UFRJ. Possui alguns poemas perdidos em revistas eletrônicas. Lança esse ano seu primeiro livro, “no dia após” (Urutau/2020).
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