Traduções de Marcelo Reis de Mello
Fala comigo numa língua que eu possa ouvir
Me deixa alegre, antes que precise ir embora
Bem no fundo, meu perdão é pra todos
Enquanto o caos das ruas me acena outra vez
Eu sei, não posso me atrasar
O jantar está esperando na mesa
Amanhã é só uma desculpa esfarrapada
Então puxo a gola pra cima e enfrento o frio, sozinho
A terra acha graça sob os meus pés de chumbo
As blasfêmias do meu velho e estridente passo
Torre, leva-me ao meu coração e casa
O sol desaparece depois sobe e baixa outra vez
Eu sei, eu vou conseguir
O amor pode durar pra sempre
Graciosos cisnes do nunca mais
Tombam pela terra
E você pode fazer isso durar pra sempre
Você pode fazer isso durar pra sempre
E você pode fazer isso durar
E por um momento eu me perco
Envolvido pelos prazeres do mundo
Eu andei por aqui e por ali e voltei de novo
Mas nos mesmos velhos lugares ainda encontro meus amigos
Mistérios ainda imaturos para serem revelados
Seus sentimentos, estou pronto para devolver
Vou fazer o que eu puder
O amor pode durar pra sempre
Graciosos cisnes do nunca mais
Tombam pela terra
Amanhã é só uma desculpa
E você pode fazer isso durar pra sempre
Você pode fazer isso durar pra sempre
Você pode fazer isso durar
Pra sempre você
Thirty-three
Speak to me in a language I can hear Humor me before I have to go Deep in thought, I forgive everyone As the cluttered streets greet me once again
I know, I can't be late Supper's waiting on the table Tomorrow's just an excuse away So I pull my collar up and face the cold, on my own
The earth laughs beneath my heavy feet At the blasphemy in my old jangly walk Steeple, guide me to my heart and home The sun is out and up and down again
I know, I'll make it Love can last forever Graceful swans of never topple to the earth And you can make it last forever You can make it last forever And you can make it last
And for a moment, I lose myself Wrapped up in the pleasures of the world I've journeyed here and there and back again But in the same old haunts, I still find my friends Mysteries not ready to reveal Your sympathies I'm ready to return
I'll make the effort
Love can last forever
Graceful swans of never topple to the earth
Tomorrow's just an excuse
And you can make it last forever You can make it last forever You can make it last Forever you
Pista pegando fogo, 1979
Crianças descoladas nunca encontram tempo
Em um cabo elétrico ligado rente à rua
Deveríamos nos encontrar você e eu
Joaninha de junho quicando feito pedra
Com os faróis voltados para o amanhecer
Certos de que isso nunca haveria de ter fim
E não me pesa largar essa melancolia de estrada
E nós sequer sabemos onde nossos ossos irão repousar
Ao pó suponho, esquecidos e absorvidos
Pela terra
Engambela os ociosos e entediados
Eles não sabem ao certo as cartas que temos na manga
Cidade-Morfina surfando em dívidas pra ver
Não queremos nem saber incansáveis que somos
Pegamos impulso na terra das culpas sem fim
E cimento entornado, lamentado e garantido
Para o interior das luzes e cidades
Mais rápido que ondas sonoras
Mais rápido do que pensamos que iríamos
Sob o som da esperança
Justine nunca soube das regras
Em meio aos vampiros e esquisitões
Nenhuma desculpa jamais será necessária
Eu te conheço melhor do que você finge pra ver
Que não nos pesa largar essa melancolia de estrada
E sequer sabemos onde nossos ossos irão repousar
Ao pó suponho, esquecidos e absorvidos
Pela terra
A rua arde a urgência do agora
Como você vê, não há ninguém por aqui
1979
Shakedown 1979 Cool kids never have the time On a live wire right up off the street You and I should meet
June bug skipping like a stone With the headlights pointed at the dawn We were sure we'd never see an end to it all
And I don't even care to shake these zipper blues And we don't know just where our bones will rest To dust I guess forgotten and absorbed Into the earth below
Double cross the vacant and the bored They're not sure just what we have in the store Morphine city slippin' dues down to see
We don't even care as restless as we are We feel the pull in the land of a thousand guilts And poured cement, lamented and assured To the lights and towns below
Faster than the speed of sound Faster than we thought we'd go Beneath the sound of hope
Justine never knew the rules Hung down with the freaks and the ghouls No apologies ever need be made I know you better than you fake it to see
That we don't even care to shake these zipper blues And we don't know just where our bones will rest To dust I guess forgotten and absorbed Into the earth below
The street heats the urgency of now As you see there's no one around
Mellon Collie and the Infinite Sadness, lançado em 1995, apenas um ano após a morte de Kurt Cobain, é a obra-prima da banda de rock norte-americana Smashing Pumpkins. Um desses álbuns (neste caso, um álbum duplo, projeto difícil e pretensioso) que acabaram virando marco geracional. Estas são duas das minhas músicas preferidas do disco, que fazem parte das faixas mais melancólicas e menos agressivas. Acho que são bons poemas. Não foi muito fácil traduzir 1979, por exemplo, que é uma das letras mais bonitas do Billy Corgan, mas que é recheada de alusões um pouco obscuras. Por exemplo, a expressão “zipper blues”, que é um sentimento de melancolia próprio de quem não consegue estabelecer raízes e está sempre na estrada. Razão pela qual decidi, ao menos provisoriamente, traduzi-la por “melancolia de estrada”.
Gosto de ter reconhecido um parentesco, provavelmente indireto, de “1979” com um poema de amor e morte do inglês John Berger, em que lemos: “What reconciles me to my own death more than anything else is the image of a place: a place where your bones and mine are buried, thrown, uncovered, together.” [Aquilo que me reconcilia com a minha própria morte é, mais do que outra coisa qualquer, a imagem de um lugar: um lugar onde os teus ossos e os meus fiquem sepultados, atirados para ali, nus, juntos.] Na canção de Corgan: “And we don't know just where our bones will rest/ To dust I guess forgotten and absorbed/ Into the earth below” [E sequer sabemos onde nossos ossos irão repousar/ Ao pó suponho, esquecidos e absorvidos/ Pela terra].
As datas dos títulos remetem a eventos subjetivos, mas, como toda data, participam de uma construção e desconstrução simbólica infinita. O problema das datas é muito relevante na crítica de poesia contemporânea, mas não há tempo aqui pra digressões mais ou menos conceituais. Sabe-se que em 1979, Billy Corgan tinha doze anos, final de infância e começo de adolescência, fase de transformações profundas (“Shakedown, 1979”), e que a letra remete a esse momento. Mas as imagens do poema – escrito em apenas quatro horas, para que a canção, que estava sem letra, não fosse cortada do disco – possivelmente nos interpelam de muitas outras formas. “Thirty-three”, ou trinta e três, obviamente já se refere a outro momento da vida, outras experiências aparecem ali, mas a “melancolia de estrada” ainda está presente.
São textos amorosos, ainda que não sejam poemas de amor. Dedico-os modestamente a quem, como eu, curtiu nos anos 1990 e ainda continua curtindo essa melancolia (às vezes muito delicada, às vezes extremamente violenta) dos Smashing Pumpkins.
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