por Bruna Costa
ACTIVISMO POÉTICO Y TRANSVERSAL
Como artistas vibramos con el color.
El color altera toda percepción, todo pensamiento y toda existencia.
Cromoactivismo le da la palabra al color.
Cromoactivismo cree que el color no es inocente.
Cromoactivismo apuesta a la emoción y al afecto.
Cromoactivismo es una dinámica social.
Cromoactivismo es una nueva construcción de las relaciones.
Cromoactivismo es una interfaz entre la inteligencia individual y la inteligencia colectiva.
Cromoactivismo es un ensayo micropolítico que logra un gesto sensible.
Cromoactivismo no acepta el monopolio de Pantone.
Cromoactivismo busca la liberación del color.
Cromoactivismo afecta la realidad con su carta de color.
Pantone NO!!!!! Tinte político SÍ!!!!!
SOMOS CROMOSOMOS
COLOR tu militancia poética.
Manifesto em C(r)osmos, 2016.
Em suas minibiografias, Cromoactivismo diz que o coletivo artístico tem como objetivo primeiro dar palavra à cor a partir de experiências pessoais e coletivas. O nome pode causar estranhamento para quem não está habituado a enxergar alguma potência política nas cores, mas ele nos indica com precisão a sua proposta: realizar uma militância poética a partir e em torno da cor.
A relação literária e afetiva de nomear as cores e tonalidades se conecta ao primeiro embate do grupo: o monopólio da marca Pantone. Muito diferente da transversalidade proposta pelo coletivo, a Pantone considera-se uma “autoridade em cores, mundialmente conhecida” pela sua “reprodução precisa, seleção, comunicação e controle de cores”. A empresa “cria” e patenteia cores, estabelece a “cor do ano”, produzindo desejo e estimulando o consumo. Desde Goethe (1749-1832), sabe-se que a cor é um fenômeno que não é fixo, ou seja, uma mesma tonalidade pode mudar à nossa percepção conforme a luz, superfície, proximidade com outros matizes e elementos, sem contar nas especificidades do material, pigmento, ação do tempo etc. Como é possível dominar a cor? O discurso da empresa se assemelha ao do artista Yves Klein, que registrou na patente francesa uma mistura química à qual deu seu nome. É a atitude de querer fincar uma bandeira numa nuvem, de apreender e engarrafar algo que por natureza é fugaz. Cromoactivismo nos lembra o fundamental: a cor não tem dono.
É a partir deste entendimento, de que a cor não é propriedade privada, que se faz possível e coerente toda sua prática. Cromoactivismo é um coletivo oriundo de Buenos Aires que se reúne desde 2013, composto por cinco artistas visuais argentinas. Atua tanto na rua, em manifestações políticas, quanto em instituições educativas e/ou museus. O seu principal meio é a realização de ações públicas e coletivas, tais como oficinas, em torno de um determinado contexto de militância. Nestas ações/oficinas, o grupo se reúne, junta cartões e caixas de papelão (que servirão de “suporte” pictórico), elege matizes a serem utilizados e convida outras pessoas a pintarem e pensarem em nomes para as tonalidades. Estes encontros são chamados cromoactivaciones (cromoativações), onde a cor é trabalhada como processo poético ligado à militância, seja ela a favor do meio ambiente, dos direitos humanos ou dos trabalhadores (Azul acción directa).
Em relação ao restante da América Latina, é possível pensar que há uma disposição argentina para manifestar-se nas ruas; uma série de movimentos políticos organizados atuam no país pela luta contra opressões ou por direitos coletivos. Alguns destes movimentos já são considerados históricos e ainda reverberam em nossos dias, a exemplo do movimento das Mães da Praça de Maio, grupo que se reúne nas ruas desde 1977, durante a ditadura, quando estima-se que desapareceram 30 mil argentinos.[1] Estas mulheres se agrupavam em torno da estátua da Plaza de Mayo em Buenos Aires e se identificavam a partir do uso de um lenço branco na cabeça, contra o genocídio lançado sobre suas filhas, filhos, netas e netos. Um pano branco na cabeça de uma mulher caminhando sozinha na rua pode não chamar a atenção, mas um conglomerado de mulheres reunidas com as cabeças brancas sempre na mesma praça todas as quintas-feiras (Blanco que ronda el jueves) transparece claramente uma atitude coletiva. É uma operação próxima ao trabalho do Cromoactivismo (reunir uma força coletiva em torno de um dado visível), que também realizou uma ação dedicada ao movimento das madres, produzindo cartazes brancos com formatos parecidos com os panos que elas carregavam.
Fonte: Divulgação/Facebook.
A política está permeada por símbolos cromáticos, como o branco utilizado pelas mães em favor dos direitos humanos, o verde da luta das mulheres pela da legalização do aborto (Verde que levanta la voz), dentre outras tantas presentes no imaginário coletivo. Mas o trabalho do grupo extrapola estas convenções culturais dando outras camadas de significado aos matizes. O processo de nomeação das cores assume forma de slogan geralmente mediado por um contexto ou conflito em que pretendem se manifestar, mas também aparecem palavras mais subjetivas que explicativas. “Marrom força criativa”, “dourado sonho dxs que sonham”, “laranja morada anarquista” são alguns dos nomes que são produzidos em seus cartazes. Mesmo uma única tonalidade pode ter tantos nomes quanto possível, expressando o caráter fluido e libertário da cor.
Com frequência, artistas contemporâneos que têm a cor como questão relevante para o trabalho tendem a materializar seu trabalho em novas mídias, explorando maneiras diferentes de pensar a cor para além do campo pictórico, numa tentativa legítima de expandir o meio e dar autonomia à cor utilizando recursos singulares (como as lâmpadas fluorescentes de Dan Flavin, para dar um exemplo). Cromoactivismo, no entanto, opta por utilizar a tecnologia mais simples para tornar a experiência extremamente possível: papelão e tinta. O espectador é trazido para o processo artístico. O ato de pintar ainda é uma experiência de fatura que se desdobra no tempo e uma atividade lúdica. Com estes cartazes pintados e escritos, as cinco artistas que formam o coletivo saem às ruas com o público participante da ação e, juntos, esta massa de cor e vozes informa um interesse comum.
Ato na greve internacional das mulheres no 8M de 2017. Fonte: Divulgação/Facebook.
Em 2018, o coletivo publicou o livro C(r)osmos em ocasião da exposição “Negro que mueve el universo”, de Marina de Caro (uma das integrantes do coletivo), realizada no hall do Hotel de Inmigrantes em Buenos Aires, a amostra foi a primeira intervenção site-specific realizada no local. A publicação se divide em dois espaços: nas páginas pares (ou lado esquerdo), uma coletânea de fragmentos textuais, do século XIX aos nossos dias, que apresenta algumas das ideologias anarquistas de imigrantes espanhóis e italianos que marcaram a história do movimento na Argentina. Nas páginas ímpares (ou lado direito), vemos um epíteto cromático em diálogo com o fragmento textual ao lado (Violeta Luisa, em homenagem a Luisa Violeta, uma das autoras do histórico Periódico Comunista-Anárquico). O livro pode ser entendido como mais um meio para desdobrar o trabalho cromoativo: utilizar papel, matiz e palavra em torno de um assunto – a imigração na Argentina. Além disso, o livro tem a vantagem de estar fisicamente (ou digitalmente) presente em mais lugares do planeta, além de se manter como ato não-efêmero.
Fonte: Divulgação/Facebook.
O artista venezuelano Carlos Cruz-Diez (1923-2019) diz que “O mundo da cor é do mundo da afetividade”.[2] Para o brasileiro Hélio Oiticica (1937-1980), “cor é a revelação primeira do mundo”.[3] É verdade que o colorido intenso costuma ser um estímulo atraente a diversos olhares, incluindo o infantil, o popular e o dissidente. Mas para o Cromoactivismo, “cor não é inocente”. Seu dado sensível não se afasta do político, mas o potencializa (Marrón fuerza creativa). A cor pode ser de difícil apreensão, impossível de cristalizar, e nisso reside sua força. Por entender que o conceito abstrato de cor não é uma propriedade privada, isto é, não há sentido em vender o verde, comprar o laranja, patentear o azul, mas em utilizá-los horizontalmente como veículo de expressão. A cor não é de ninguém porque é de todos, e, portanto, é também um campo possível para a luta coletiva.
Marcha do Orgulho LGBTQIP, 2016. Fonte: Divulgação/Facebook.
[1] USP, Projeto Memória e Resistência. Disponível em: <http://www.usp.br/memoriaeresistencia/?page_id=239que>
[2] Arial Jiménez, Carlos Cruz-Diez conversa com Ariel Jiménez, Cosac & Naify: São Paulo, 2014.
[3] Extraído de um escrito de 1960, sem título. Disponível em: Programa Hélio Oiticica (Itaú Cultural), p. 16-17.
BRUNA COSTA é curadora, historiadora da arte e professora. Formada em História da Arte pela EBA/UFRJ, com período sanduíche em Sapienza University of Rome, na Itália, atualmente é mestranda em Artes Visuais no PPGAV/UFRJ. Dentre seus projetos, se destacam a curadoria no "1º Salão Vermelho de Artes Degeneradas", no Atelier Sanitário e assistência de curadoria em "Arte Naïf: nenhum museu a menos" na EAV Parque Lage, ambos em 2019. Possui interesses de pesquisa sobre a cor na história da arte e sobre produções periféricas na arte contemporânea. É tutora de História da Arte e Turismo no consórcio CEDERJ, faz parte da equipe editorial da revista Arte&Ensaios e da eRevista Performatus.
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