por Gustavo Gomes
Estamos no terceiro mês do ano e ainda compreendendo todas as consequências de quatro anos de um governo de extrema direita, elitista, irresponsável e corrupto. Muito provavelmente teremos muitas manchetes de jornal ainda trarão à tona notícias sobre o que aconteceu nos anos de bolsonaro e como o Estado brasileiro foi dominado por uma quadrilha organizada, que utilizou da máquina pública para destruir o Estado democrático de direito. Felizmente, esse processo só pôde aparecer com a vitória eleitoral de Lula. Aliás, foi o primeiro e importante passo para frear o processo de desmonte das políticas e enfraquecimento das instituições. Por isso, proponho aqui um exercício de imaginação. Exploraremos por aqui o “e se…”, inexistente na História, mas essencial para entender onde estamos e onde estávamos.
O escândalo das jóias desviadas dos Emirados Árabes, em um esquema mesquinho, atrapalhado e, ainda assim, alarmante. É literalmente uma utilização do cargo público para colocar dinheiro, milhões, no bolso. Mas imaginemos que o caso tivesse estourado durante o governo anterior. A primeira atitude do ex-presidente seria minimizar o ocorrido e tentar esquivar-se utilizando de uma desculpa qualquer. A segunda, criar uma grande cortina de fumaça para desviar a atenção da opinião pública e resolver por trás deste problema. Esta estratégia, utilizada largamente durante o último governo, também foi utilizada agora. Após tentar minimizar, o espetáculo ridículo do deputado mais votado de Minas Gerais em pleno dia internacional da mulher tentou servir de pauta para ofuscar o ocorrido.
No entanto, uma questão fundamental faz com que a extrema-direita não consiga aplicar a estratégia da cortina de fumaça. Estar fora do governo, não destinar a pauta todos os dias faz com que o ex-presidente tenha perdido o controle sobre a intensidade das notícias que quer fazer soar com mais força. Sendo ou não uma estratégia de cortina de fumaça, as duas pautas correm soltas, independentes e paralelas. a transfobia e os pedidos de cassação de um lado, a corrupção de outro.
Em suma, este e outros casos vão contribuir para entender o tamanho da utilização irresponsável e, diversas vezes, corrupta dos recursos públicos. No entanto, vão demonstrar o tamanho da permissividade que parte da sociedade com ideologia “anticorrupção” possui. O tempo mostrará que a anti-corrupção tornou-se, na verdade, uma vestimenta para a anti-política. E que a anti-política é uma reação da massa conservadora e elitista para os processos de transformação da sociedade que os governos de centro-esquerda produziram no país.
A democracia possui seus riscos e suas inconstâncias. No entanto, tornou-se o principal sistema onde as sociedades podem buscar assegurar direitos de maneira mais próxima de ser equânime, ou equitativa. Em um país com maior tempo de escravização do que de república, as desigualdades sociais e raciais originárias do período colonial, costumam estar entranhadas no tecido social. Atitudes de rompimento geram incômodos e, por consequência, movimentações das alas mais conservadoras da sociedade. Neste sentido, não é de se admirar que a democracia, enquanto sistema, seja o principal alvo de ataque desta parcela reacionária da população. Parcela esta que precisa se alimentar de indignação. O desvio de recursos públicos, por exemplo, pode ser um importante alimento, mas nem de longe, é o principal motivo.
Eis então, do ponto de vista de construção social e ideológica, a principal missão do campo democrático: retomar a construção de políticas públicas e consensos sociais que avancem no campo da reconstrução de direitos e rompimento com o passado escravista e, ao mesmo tempo, retomar o contato com a população aberta a dialogar e apoiar projetos de reconstrução social. E isso não é responsabilidade solitária do governo Lula, é um combinado de esforços que todo aquele e aquela, preocupados com a continuidade de nossa democracia precisa se atentar.
Caminhando para dialogar sobre o “como” fazer, pode-se observar o exemplo do mês das mulheres, marcados por março. É crescente e com tendência de aceleração o debate sobre as mulheres nos espaços de decisão. Além disso, a sociedade demanda cada vez mais políticas que, no fim, colaborem em promover uma sociedade onde homens e mulheres possuam iguais oportunidades e, para que isso ocorra, o machismo estrutural deve ser amplamente enfraquecido. Quais são, portanto, as políticas públicas que devem ser realizadas para a igualdade de gênero? Além disso, como dialogar com as mulheres brasileiras e, além disso, convidá-las para construir essas políticas de forma conjunta? São perguntas que devem ser estendidas para todos os temas que precisamos de olhar atento e forte. O ato de distribuição gratuita de absorventes no SUS, representado pela foto que escolhemos para o artigo deste mês, é um bom exemplo de política pública. Como, agora, manter o diálogo com a população que receberá esta política para que esta parcela reconheça que se trata de um movimento público e político de reconstrução social?
Reconstruir o país com políticas públicas de combate à desigualdade e estruturar novos diálogos com a população. Que repitamos isto tal qual mantra, que nos lembre dos nossos desafios para os próximos anos.
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