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Foto do escritora palavra solta

O Diabo - Arcano XV

Atualizado: 14 de set. de 2020

por Júlia Gonçalves



Francisco Goya, O Grande Bode ou Aquelarre, 1821-1823 pintado na parede de sua casa e depois transferido pra tela 1,40m x 4,35m.

Excluindo o Louco, temos 21 arcanos maiores, e dividimos-os em 3 setenários. O arcano XV abre o terceiro e último setenário, que fala sobre a manifestação de tudo que foi semeado no primeiro (do Mago ao Carro) e elaborado no segundo setenário (da Justiça a Temperança). O Diabo faz a ponte - assim como o Papa, mas na via oposta - que liga o telúrico ao cósmico. Com frequência é representado pelo Baphomet, que dizem era uma figura adorada em segredo pelos Templários, símbolo da prosperidade e natureza, e, como todos os deuses do inimigo, foi demonizado pelo cristianismo quando a Ordem acabou. Ganhou a imagem que conhecemos hoje pelas mãos do ex-padre e depois ocultista Éliphas Lévi, 500 anos depois. Na Thelema de Crowley é resgatado como deidade símbolo da união dos polos, masculino e feminino. Seus antebraços tem escrito “solve” e “coagula” - o princípio básico da alquimia - e explica que tudo que está em cima também está embaixo. Há várias faces conhecidas atribuídas ao Diabo. Ouspensky diz que o Diabo é parte do triângulo que contem nas outras arestas o Tempo e a Morte. No Motherpeace o Diabo é o patriarcado capitalista que vive no topo da pirâmide social. Já no Tarot de Thoth, Crowley coloca o arcano XV como símbolo da paixão e poder plenamente vividos - representado também pelo signo de Capricórnio, outro bode.


O Diabo já foi retratado desde à imagem de todo o horror ao anjo caído, lindo e descamisado. Seja pela repulsa ou pelo desejo, as imagens de todo o mal e suas histórias tem sempre em comum a tentação. Há uma tiragem de Tarot chamada Cruz Celta e nela, dentre muitas informações sobre a mesma questão, uma é especialmente importante. Uma das cartas mostra ao mesmo tempo seu maior desejo e seu maior medo, nos contando assim que ambos são só faces diferentes da mesma moeda (ou carta, nesse caso). A carta do Diabo interpretada dentro de um contexto de vida cai nos vícios (Meu vício é você - Alcione.mp3) e todas as situações que se aproximam disso. Oswald Wirth diz que o Diabo é o inimigo do Imperador na luta politica pela posse do reino da matéria. Um trabalho que paga muito bem, mas se apossa de você; uma relação com muita paixão, mas com muito ciúme; quando furamos a quarentena pra transar, mas também quando precisamos trabalhar e nos expôr ao vírus ou qualquer outro risco pra pagar nossas contas; sempre que somos tentados pela matéria e, através dessa necessidade ou desejo por possuir algo, ficamos presos a uma condição que também nos prejudica então vemos o arcano XV. Os súditos do Diabo estão acorrentados no pescoço, mas suas correntes são frouxas. Vigia as armadilhas de Satanás!




Francisco Goya, El Aquelarre, 1798 óleo sobre tela.


O diabo pouco muda depois da idade média porque imagina-lo se torna um tabu. Trabalhar a imagem daquele que mal se pronuncia o nome seria um insulto. A ignorância é uma benção e quanto menos se pensa no Diabo mais próximo de Deus estamos - dizem. Porém negar a carne também é cegar o outro lado e lembre-se que o que está lá também está cá. O que está em cima precisa do que está embaixo e vice versa, a oposição conecta tanto quanto afasta. Somos feitos de carne, isso é um fato. Não é uma crença, não é uma teoria, somos. Sentimos fome, nosso corpo se decompõe e morremos todos os dias. Essa caveira recheada e coberta de massa viva nos leva ao mercado, ao bar, a igreja, ao terreiro, todos os dias. Pede pra dormir, sente calor, sente dor e nos avisa o quanto precisamos dela quando falha, o quanto somos pequenos sem o corpo. Não há porque criminaliza-lo, é um crime de mentira o pecado. A delicadeza do diabo está nos detalhes, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. Qual o limite dessa ponte? Até onde atravessar? A demonologia veio antes do cristianismo. Até Zaratustra não existia o bem contra o mal na religião, os deuses eram quase humanos, os politeístas. Ainda são os do Candomblé. Por que o mal é sempre o que corrompe o corpo perecível? Satã é o desafio da ordem que os homens atribuíram a Deus, o Caos. Não acho que a solução pro Caos seja combate-lo ou nega-lo, mas atribui-lo a dança, torna-lo útil - seria possível pegar o caos pra dançar?


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