por Quitta Pinheiro
Jorge Lafond, a Vera Verão. Fonte: Gay Blog BR
É Fevereiro! É Carnaval!
Um imenso prazer estar vivendo esse feriado de deliciosos encontros, corpos em festejos, glitters e purpurinas sobrevoando e iluminando nossas ruas, becos e lares. É um dos períodos do ano que tudo indica pra gente ser leve. Quem me dera, rs.
A folia do carnaval já me trouxe muitas memórias felizes, intensas e engraçadas pra recordar há cada ano que podemos reviver essa festa. Mas sempre retorno no assunto: fantasias. Sim, o carnaval também traz alguns problemas sociais que, o fato inconsciente nosso de fingir a responsabilidade com o outro no carnaval, gera conflitos a quem se enquadra fora dos padrões, nos outros dias, semanas e meses.
Não é muito difícil encontrar aquele bloquinho de homens com vestidos, saias, blusas, sandálias de suas mães, irmãs ou até das suas companheiras atuais. Uma caracterização que fere existências femininas e as torna alvo de chacota, piada, vergonha e desumaniza. Tudo isso já começa quando se chama de o “bloco das piranhas”. Rir pra não chorar, meninas.
“Ah Quitta, mas que coisa chata. É apenas uma brincadeira.”
Evito até entrar no quesito de como uma brincadeira gera marginalização, violência ou até a morte. E o problema não é nem ser “piranha” não, a questão está depois da brincadeira. Como nós reagimos aos corpos femininos que se assemelham performaticamente aos trejeitos e as roupas como são utilizadas nesses blocos? Quais são os corpos que participam? E quem são eles para denominar o que é ser uma mulher, uma travesti, uma piranha?
São aqueles que reclamam das roupas, maquiagens, cabelos de suas esposas; Violentam fisicamente e não abraçam e acolhem o filho gay; Expulsam a filha que inicia a sua transição, da sua própria casa, que dependendo da situação a persegue para matar. Não é engraçado ver essas pessoas se divertindo com quem eu sou. O carnaval não é um espaço de leveza quando olhamos pra zilhões deles vestidos como eu pelas ruas… Quer dizer: Como eu não! Como eles construíram dentro deles quem eu sou. Quem nós somos.
Fugindo do carnaval, na minha infância aconteciam as festas juninas na minha rua onde todas as crianças dançavam quadrilha. Eram meses de ensaio para um fim de semana de festa. No sábado a apresentação comum e no domingo o dia que meninos e meninas trocavam seus papéis. Lembro de estar dentro de casa, com a roupa de uma das minhas primas, lacinho na cabeça, sapatilha e meia calça e toda maquiada pela minha mãe para participar de verdade da brincadeira (mal sabia ela que eu estava amando me vestir daquela forma rs). Mas o que não me disseram é que os meninos estariam só com o vestido e o tênis que eles usavam sempre. Quem foi o alvo? Eu ou eles?
Um outro fato, para encerrar essa coluna, é conhecer a história de LaFond, mais conhecida como Vera Verão. Qual gay, principalmente as afeminadas, pretas e carecas, já não ouviu por aí “olha a Vera Verão!”. A história de LaFond é de grande resistência e persistência de dizer ao mundo que ser feminina é um grande orgulho de todas nós.
Veja um pouco sobre LaFond nessa matéria.
Entendam: ser feminina não é fantasia! Há uma grande diferença entre usar o carnaval na possibilidade de libertar quem se é, para utilizar dos estereótipos construídos em corpos femininos e ridicularizar nossas existências. Mulheres cis, trans, travestis e até os homens gays afeminados.
A lantejoula tá liberada!
Só lembrem-se de quem sempre haverá uma de nós que você ama e cuida e, um dia, o alvo pode ser ela.
Bom carnaval!
Com todas vivas e nenhuma morta.
Excelente texto, Quitta. Como mulher negra é doloroso ver meu corpo ser alvo da violência sistêmica; perceber como os homens seguem reproduzindo imagens mentirosas sobre quem e como são as mulheres que ridicularizam, num movimento vil de justificar seus sofrimentos, abandonos, cansaço, sobrecarga. A violência contra nossos corpos foi ensinada no passado e segue sendo perpetuada através de tradições culturais que urgem serem contestadas e seu texto faz isso. Obrigada!