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Foto do escritora palavra solta

Olodum: 43 anos

por Pérola Mathias





Está praticamente impossível falar de qualquer assunto sem se referir à política nesses meses que antecedem as eleições de outubro. É por isso que, enquanto as instituições derretem por dentro, é preciso celebrar o mês de aniversário de uma das expressões culturais mais importantes do país, o Olodum. O bloco nasceu em 1979 em Salvador, mais especificamente no Maciel-Pelourinho, na esteira da formação do MNU (Movimento Negro Unificado) e do Ilê Ayiê, o primeiro bloco afro de Salvador.


Já em 1980, o Olodum saiu no carnaval e ao longo de uma década com dificuldades em se firmar, lançou seu primeiro disco em 1987: “Egito Madagascar” completa esse ano 35 anos. Emblemático do que ficou conhecido como a axé music, enquanto gênero musical e complexo comercial, o disco mostrou a um público muito mais amplo do que o estrito à cidade e aos frequentadores do bloco a mistura de referências de caráter racial e social que caracterizam as criações do Olodum sobre a batida do samba-reggae, criada por Neguinho do Samba.


Em “Egito Madagascar”, já aparecem as três principais temáticas que marcaram as composições do bloco: a referência a histórias e figuras dos países africanos colonizados, como os que dão nome ao álbum; a conexão com a negritude da América Latina; e a afirmação da identidade negra. Quanto à segunda temática, ela se abre amplamente nesse disco porque, além da própria batida que caracteriza o Olodum ser chamada de samba-reggae, unindo o ritmo afro-brasileiro ao jamaicano, as faixas “Um povo comum pensar” e “Vinheta Cuba-Brasil” fazem referência direta à ilha comandada por Fidel Castro (à época) e sua forma de governo.


“Um povo comum pensar” une a identidade cultural à política, exalta a rumba e Che Guevara, Fidel, o proletariado e o leninismo. “Vinheta Cuba-Brasil” é instrumental, mas é marcante por ser a única do disco que traz outro instrumento melódico – que não a voz – para junto da percussão, um naipe de metais.


O tripé temático se mantém e se expande no disco seguinte, “Núbia Axum Etiópia”, de 1988, e traz a música que acabou se tornando uma das mais representativas da banda, a composição de Tatau “Protesto Olodum”, com crítica às políticas locais, citando explicitamente no verso “Olodum contra a prostituição”. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, o governo buscava revitalizar a área para o turismo e o Olodum surgia de membros do bairro do Maciel/Pelourinho, que contava com mais de 40.000 habitantes nesse período, e apesar de ser taxado como de prostitutas e desempregados, as primeiras eram 0,2% e 1% sobrevivia de atividades ilícitas, tendo alto índice de crianças e velhos.


“Protesto Olodum” faz referência ainda a outras questões locais e globais, como a epidemia de AIDS, o fato de o resto do país virar as costas para o Nordeste e o subdesenvolvimento da região, bem como ao apartheid da África do Sul e suas duas principais figuras de luta, Desmond Tutu e Nelson Mandela. Este, seria saudado várias vezes ainda pelo grupo.


Ainda que ao longo da década de 1990 o Olodum tenha diversificado ainda mais sua temática e a relação de sua música com elementos melódicos, cedendo seus feitos e talentos tanto à indústria da axé music, como à chamada “world music”, nas conhecidas parcerias com Paul Simon e Michael Jackson e às apresentações cada vez mais rotineiras no exterior, não é possível dizer que sua atuação política tenha esmaecido.


Como o Olodum nunca foi apenas um bloco ou uma banda, mas criou uma Escola com importante atuação na educação de negros e negras, tem uma Casa-Sede, a ONG e o Femadum – Festival de Música e artes do Olodum. Assim, ao articular a diversidade e singularidade da cultura afro-brasileira, o Olodum teve e tem importante papel no que diz respeito a educação, cidadania, autoestima e representatividade da cultura negra e cultural, através da música, mas também do teatro. As atividades pedagógicas do bloco, como analisam Jusciele Oliveira e Simone Santos em artigo de 2020, preconizaram as legislações contemporâneas da educação brasileira – foi tornado lei, em 2003, o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira.


O aniversário de 43 anos do Olodum acontece, ainda, nesse momento em que temos um governo que busca deliberadamente tolher e cessar toda e qualquer política antirracista no país, que usa de seu espaço de poder para fazer ataques sistemáticos à população negra, sem temer ser enquadrado na lei, e que, como não bastasse, faz da Fundação Palmares um dos palcos para os seus shows de horrores. Uma instituição que já teve na presidência o ex-membro conselheiro do Grupo Cultural do Olodum Zulu Araújo. Entre 2007 e 2010, um dos muitos produtos entregues pela Fundação Palmares foi o livro “Olodum, história e cultura afro-brasileiras em 30 músicas”, em parceria com a Escola Olodum, que traz a publicação de partituras de músicas do grupo ao longo de suas três primeiras décadas de existência.





O Olodum é fruto da resistência. Traz cores do pan africanismo, a batida do samba com o reggae, o som que conquistou o mundo, o projeto educativo revolucionário, a transformação de um bairro esquecido e diversas outras realizações, como o teatro. Ainda assim, foi apenas em 2019 que teve a primeira mulher como maestrina de seus tambores, Andréia Silva Reis. Ou seja, além de resistir, é preciso sempre evoluir.


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