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Foto do escritora palavra solta

Poema inédito e entrevista com Italo Diblasi

Atualizado: 14 de set. de 2020



DESDE O FAROL QUE NÃO VI SOBRE O MAR



Quando vemos uma coisa pela primeira vez é como se já a tivéssemos visto sempre e como se nunca pudéssemos vê-la novamente porque na verdade não vemos nada


não se trata de uma questão de cegueira ou ponto de vista é uma espécie de miragem, nos dizem, e nós seguimos enxergando como nunca

uma vez foi uma Santa que - juram - foi vista chorando sob madeira e âmbar fazia calor e a cor dela era escura


"Enxergamos melhor no escuro" me disse num dia a mulher que amparava-me o medo e a febre quando a vida era medo e febre


não sei por onde anda a mulher mas nunca mais tive a febre

ainda que medo sim


quando descobri que era míope aprendi a imaginar


se me fosse dada outra vez, olhava as coisas com menos atenção, abandonava os gatos da mesma maneira e continuaria amando os cavalos, como gostamos de amar as coisas distantes

aquelas que necessitamos construir contra nós e por eles, com eles, coisas irremediavelmente perdidas e excitantes - a infância, um último banho de mar, a primeira palavra que você escreveu

na fotografia o farol distante que não vi sobre o mar continua lá


algo que ainda penso em ver antes de morrer: o Mediterrâneo

lembrar que aquilo ali já foi o mundo


e que hoje esse mundo anda agigantado, estrábico.




ITALO DIBLASI nasceu no Rio de Janeiro em 22 de junho de 1988. Publicou o livro O limite da navalha (Garupa Edições, 2016). Vive no Rio de Janeiro e atualmente trabalha em seu segundo livro, A morte não é magrinha.




Fotografia: Julia de Souza







ENTREVISTA COM O POETA ITALO DIBLASI

Maria Fernanda Martinez Souza*




Rio de Janeiro, 12 de outubro de 2019. 17h29min



O poeta carioca Italo Diblasi, de 31 anos, autor do livro O Limite da Navalha (2016) fala sobre poesia, escrita, música, referências literárias, história e contemporaneidade.



MF: O que é poesia pra você?


ID: Mais do que uma coisa de registro, que pode descambar num poema, às vezes numa música, num quadro, num casamento, a poesia é uma forma de estar no mundo. Mais do que qualquer outra coisa. É uma forma de ver, de se posicionar, de se colocar em relação ao que está ao redor.



MF: O que você acha da poesia confessional? Você acha que há muito “Italo” na sua escrita ou o eu-lírico recorrente é totalmente inventado?


ID: Eu acho que tem, inclusive é essa primeira pessoa que se apresenta no livro inteiro. Só que eu gostaria de apostar que, por exemplo, quando eu lia Piva o "eu" dele era um "eu" que claramente também era eu. É uma coisa que perpassa, que não fica congelado em si. Eu gostaria de apostar que esse elemento confessional consiga ser atravessado e que o outro se coloque ali. Quem lê, né?! O mesmo que acontece quando eu leio Roberto Piva ou Guilherme Zarvos. Mas eu adoro poesia confessional. Ana Cristina Cesar, por exemplo. Porque, sei lá, acho que a poesia e os segredinhos combinam.



MF: Percebe-se na sua poesia um tom de saudade e recordação. Como você explicaria ou refutaria isso?


ID: Realmente, é uma questão que, pra mim, é importante. O material que surge para escrever constantemente vem disso. É ficar relembrando as coisas. Eu escrevo muito a partir das memórias, porque no fundo vem de algo que se perde e o poema acaba sendo uma tentativa de manter aquilo vivo, de alguma forma. Algo que já foi perdido.



MF: Quais seriam, hoje, as maiores referências literárias para o Italo Diblasi?


ID: Seria o Roberto Bolaño. É o meu principal escritor, tanto na prosa quanto na poesia. Já na poesia contemporânea, pode ser um pouco presunçoso (risos), mas eu realmente tenho grandes amigos que são grandes poetas, então essa sorte faz com que eu os leia. Como o Flávio (Morgado), o Marcelo (Reis de Mello) e o (Leonardo) Marona. Na verdade, acho que tenho lido mais prosa do que poesia.



MF: Você acha que o fato de ser historiador influencia na sua leitura e na sua escrita? O que você pensa sobre isso? E a partir dessa visão, o que você pensa da relação história-literatura?


ID: No início eu achava que não, mas depois fui vendo que sim. Tanto do ponto de vista temático quanto na maneira de olhar as coisas. Outro dia alguém até falou alguma coisa sobre arqueologia nos meus poemas e o Flávio Morgado, no poema que fez dedicado a mim, também fala. Disseram que a arqueologia aparece como uma espécie de escavação em alguns dos meus poemas e eu nunca havia pensado nisso, mas acho que faz sentido. Não tem como se desligar do que a gente faz, nos atravessa. A gente acaba vendo o mundo a partir daquilo. Se você faz História não tem como não olhar pra isso, as coisas têm sua historicidade e é essa historicidade que salta os olhos. Mais do que uma história, aparece uma historicidade nos meus textos.

Sobre história e literatura, acho que elas se encontram na ficção, porque a própria História tá se discutindo. Existe uma noção de verdade histórica, mas acho que é um ponto pra gente entender que é tudo uma grande ficção na própria vida, então por que os nossos saberes também não seriam fictícios? Posso estar falando besteira com relação a isso, mas é a via da ficção que une as duas coisas. Eu nunca gostei de romance histórico, por exemplo. Eu gosto de ler História e gosto de ler Literatura, e acho que se encontram nesse lugar que eu disse da ficção, porque mesmo o livro de História está sempre permeado dela.



MF: Sabendo da sua admiração por Nick Drake e Elliott Smith, você acha que os dois influenciam sua escrita de alguma forma? Qual é o seu pensamento a respeito das referências musicais na poesia?


ID: Sim, o Elliott mais, na verdade. O Nick Drake é uma espécie de fauna. Ele tem algo da natureza e do jardim, enquanto o Elliott Smith é mais urbano. A minha experiência de vida é, predominantemente, urbana. Então, como eu já disse brincando antes pra você, tudo que eu tenho a dizer, o Elliott já disse melhor, apesar de eu continuar dizendo. Eu sinceramente acho que a música é a forma mais elevada de arte, porque ela é mais direta. Acho interessante quando a música e a poesia se encontram, não vejo isso acontecer com muita frequência, mas já roubei muitos versos de músicas e coloquei em poemas.



MF: Por fim: você acha que a poesia contemporânea brasileira constitui algum movimento literário? Como é escrever na contemporaneidade?


ID: Acho que a gente está num tempo em que a ideia de movimento tá meio trancada. Se há um movimento, a gente só vai saber depois e não enquanto acontece. Fora isso, acho que a gente pode brincar, né? Essa coisa do "neobeat", essa coisa minha, do Flávio, Marcelo e Marona. A gente se coloca desse jeito. É uma poesia sanguínea, na cidade, em 2019 e tudo isso que tá acontecendo. Tem uma força estética que se traduz em vida mesmo, em experimentação e nesse lugar é interessante, talvez, pensar em movimento. Escrever na contemporaneidade imagino que seja como escrever em qualquer tempo, porque todo mundo que já escreveu era contemporâneo de sua própria época. Sei lá, escrever na contemporaneidade é escrever. Escrever por si só já é difícil. Eu escrevo muito pouco.




* Maria Fernanda Martinez tem 20 anos. Mineira, natural da cidade de Passos. É estudante de Letras – Português/Inglês na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e pesquisadora bolsista pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológica (CNPq), na área de ensino de poesia e teoria da literatura. Também participa, voluntariamente, do Núcleo de Estudos sobre Poesia Contemporânea (NPC), se interessando principalmente pela poesia carioca e suas influências. Possui alguns poemas autorais publicados em revistas e em seu blog Silhuetas de Vênus.














**A redação da Revista A Palavra Solta parabeniza os 32 anos do nosso bardo, jet-set do amor maldito e colunista de literatura: Italo Diblasi.


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