por Gustavo Gomes
Saiu a pesquisa do Datafolha, o principal recado é: Lula pode ganhar no primeiro turno e aumentou a margem sobre bolsonaro. E esse é um dos principais momentos que me levam a pedir atenção a esta mensagem que venho trazendo.
Eu? Eu venho novembro, viajei no tempo, e venho falar sobre um país onde competiam o PT e um projeto bolsonarista, pelo poder executivo. Nós tínhamos certeza que íamos ganhar, no caso, o primeiro turno da eleição foi uma vitória acachapante contra todos os candidatos e, principalmente o candidato bolsonarista que ficou espremido e mal conseguiu chegar no segundo turno. É certo que gostaríamos de ganhar no primeiro, mas não foi possível. Ainda assim a distância era larga e já andávamos sonhando com os projetos de construção de país a partir da vitória nas urnas. Haveria muito debate, muitos erros, mas, independente de tudo, tínhamos um futuro democrático para construir. Mas adivinhem só… Nós arredamos o pé, voltamos para a casa, não conversamos com as pessoas nas ruas, deixamos o tempo passar e, no final das eleições a urna nos trouxe uma mensagem terrível: nós perdemos! E mesmo com a campanha forte do outro lado, com carros de som espalhando fake news, grupos de whatsapp bombardeando informações falsas e uma onda de acusações infundadas, hoje eu posso dizer que os maiores culpados pela nossa derrota somos nós mesmos. Caímos no conhecido “já ganhou!”.
Eu falo de novembro, mas não falo de novembro de 2022 e sim de 2020. Venho do país, São Gonçalo, uma cidade de 1 milhão de habitantes, no leste do Rio de Janeiro, que se viu em uma reedição das eleições presidenciais, na disputa pela prefeitura. De um lado o candidato do PT, do outro um capitão, que tinha apoio dos bolsonaristas. Inclusive, o candidato a prefeito, foi um dos únicos do país a receber um vídeo de bolsonaro.
No primeiro turno o PT ganhou com uma diferença de quase 9% dos votos. Em um segundo turno rápido, a diferença pôde ser vista diminuindo pouco a pouco. Nas ruas, o PT parou de fazer eleição. Deixou de conversar com os eleitos do campo progressista, não conversou com a tia do bairro distante, perdeu base e chegou empatado na urna. O dia da eleição foi um dia de Sol. Um calor típico do verão do Rio de Janeiro. A estrada que beira a cidade estava atolada de carros viajando para o litoral fluminense. Muitas daquelas pessoas não foram votar, justamente porque não tinham noção do que estava em disputa. No final do dia, menos de 6.000 votos separaram um do outro. Bolsonaro ganhou em São Gonçalo.
Venho contar essa história, justamente pelo trauma que voltou nesta semana a partir de uma notícia que, entre nós, é maravilhosa. A nova pesquisa do Datafolha aponta que Lula ganharia, hoje, no primeiro turno, com 48% dos votos, 21% à frente de bolsonaro. Uma vitória no primeiro turno quer dizer que o candidato tem mais que a soma de todos os demais. Para Lula, chega a 8% de vantagem.
Um ponto importantíssimo para essa diferença existir é a rejeição a bolsonaro. 54% da população diz não voltar naquele que já é o pior presidente da história, enquanto 33% não votam em Lula de jeito nenhum. Em grande parte, os artigos jornalísticos apontam que a crise econômica e a constante ofensiva do bolsonarismo aos direitos básicos são os grandes responsáveis por essa rejeição. Certamente, a política aliada à covid-19, responsável pela morte de mais de 600 mil brasileiros é uma marca difícil de não se considerar quando avaliamos essa queda de popularidade. No entanto, quero ressaltar o fator cansaço. A população está cansada do embate constante promovido pela insensatez do bolsonarismo. Da mesma forma que em 2020, a tendência do eleitor é retornar para figuras que fizeram governos de sucesso e que podem nos tirar do buraco que o governo eleito em 18 nos afundou.
A campanha de extrema-direita sentiu. Por trás de uma tentativa de descredibilizar a pesquisa, os ministros e coordenadores de campanha deram declarações balançados com a expansão de Lula. De pronto, colocaram mais força na campanha de arrecadação de recursos e de tentar descredibilizar o sistema eleitoral, para manter o ocupante do planalto, de forma democrática, ou não.
No entanto, bolsonaro mantém uma militância fiel que beira os 30%. É o mesmo grupo de eleitores responsável, junto com a distribuição de recursos públicos, para o centrão, pelo orçamento secreto, para que não fosse aberto um processo de impeachment enquanto o presidente destruía o país. O universo paralelo alimentado todos os dias nos grupos bolsonaristas ainda está sólido e pronto para se expandir. Vale lembrar que se trata de um projeto que, no início de 2018, parecia não ter qualquer chance de ganhar, mas cresceu e ganhou escala de uma forma provavelmente nunca antes vista. Mesmo com o desgaste, existe uma máquina pública gerida por um presidente terrivelmente irresponsável com as contas públicas, com fortes tendências de destruir o país para atender ao seu populismo.
Vencer bolsonaro não é, nem de longe, o principal desafio de quem é democrata. Existe uma ideologia reacionária, extremista e antidemocrática difundida que se amplia. Apesar dos esquemas claríssimos de corrupção, da tentativa de desestabilizar o sistema e a ausência de qualquer entrega sólida para a população, essa ideologia ainda mantém e ganha adeptos.
Enquanto deixarmos 1/3 do país isolado em um espaço onde somente um populista autoritário, de extrema direita e que flerta com a ditadura a todo momento é considerado como opção, o Brasil estará sempre entre a democracia e o autoritarismo. E quaisquer governos que sejam eleitos pelo povo terão este desafio. A luta constante para manter a democracia nos impede, inclusive, de melhorá-la, assim como resolver as contradições da sociedade brasileira.
Na semana onde a pesquisa do DataFolha sai, um homem foi torturado e morto, em uma câmara de gás improvisada, assassinado agentes da Polícia Rodoviária Federal. Nesta mesma semana, onde periga a tendência natural de comemorar a luz no fim do túnel, vimos a segunda maior chacina registrada no Rio de Janeiro e a imprensa relativizando execuções sumárias. Enquanto entramos no risco de achar que está tudo resolvido, o Rio de Janeiro tem dois bolsonaristas declarados na liderança em algumas das pesquisas para o governo do Estado e o campo progressista parece não ter capacidade de marcar uma cerveja e resolver os seus problemas.
No Rio, inclusive, a última pesquisa da Quest mostrou o espaço onde o campo progressista perde, descaradamente, a eleição. Na baixada fluminense e entre os evangélicos. Pouquíssimos nomes do campo conversam com essa população e os que conversam ainda não são suficientemente apoiados. Não voltamos para a base, não sabemos como falar com as pessoas da periferia, enquanto o conservadorismo encontra-se presente diariamente na vida desses cidadãos. Faltam estratégias, mas, principalmente, valorizar as que já existem e conectar forças para discutir sobre o futuro dos fluminenses.
Nesta mesma semana, os militares tornaram pública uma carta, propondo um projeto de país, o que em qualquer lugar do mundo democrata seria tratado como um ataque à democracia. Nesse projeto, um mundo paralelo, com um inimigo inventado, propõe uma sociedade sem diversidade, opinião e hipócrita, tal qual somente uma ditadura consegue construir.
Sim, eu gostaria de ser um mensageiro do futuro, ou pelo menos dar um pulinho em outubro para dizer o que está acontecendo. Mas, peço para que se contentem com um mensageiro do passado. Eu vi a minha cidade perder a melhor chance de ter um governo democrático, com seus inúmeros problemas, mas onde a população teria voz. Hoje, impera nela a troca de asfalto por voto, sem qualquer projeto sólido de longo prazo. E em cada absurdo que observo, lembro de ter visto a derrota de quem descansou os pés, antes da linha de chegada.
Para que isso não aconteça em 2022, precisamos ter o entendimento que ganhar as eleições é um passo pequeno diante do desafio que se apresenta. Nós temos um Brasil a reconstruir e uma boa parte da população para retirar do mar do ódio e voltar a esperança. Não podemos aceitar, novamente, que o cenário das eleições trate de ser uma escolha entre o desastre e a continuidade da democracia no nosso país. Por isso, cada voto que bolsonaro perde, é um suspiro que nossa estrangulada democracia dá. Só podemos descansar no momento onde um projeto de devastação do país esteja abaixo de 5º lugar, em qualquer pesquisa.
Cada voto conta! Por isso, pés no chão! Que as boas notícias sirvam para nos lembrar o motivo da nossa caminhada. Mas, que tenhamos consciência, seguindo uma frase do futebol, que o jogo só acaba quando termina.
E aí? Já virou um voto hoje?
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