por Kya Mesquita
Estamos nos conectando com o Todo ou criando justificativas para que parte desse Todo continue funcionando?
Pode até parecer uma pergunta solta e desconexa, mas é um questionamento pertinente para qualquer tipo de praticante/facilitadora/comunicadora de atividades ditas ‘espirituais’ filosóficas ou terapêuticas alternativas. É claro que o fenômeno da justificativa dos sofrimentos sociais pela crença sempre existiu, principalmente nas doutrinas religiosas, mas no capítulo 20 do 2° milênio não só só as religiões estruturais que alienam pessoas, a filosofia da autoajuda desproporcional, a conexão com o raio-violeta que cura os traumas e todas as maneiras de ‘medir’ a energia de determinados assuntos e pautas vem distanciando cada vez mais as pessoas de perceberem problemas sociais da vida prática, gozando de uma certa meritocracia da vibe boa como eu gosto de exemplificar.
São diversas as práticas e profissões que se encaixam no que quero abordar, inclusive a minha própria profissão, por isso vou (não por vontade, mas por necessidade prática nesse texto) nomear como ‘espiritualistas’ embora esse termo possa não cultivar tantas carapuças. Assim, vale dizer que não são só as pessoas que influenciam&facilitam tais ideias que são responsáveis por tal alienação, mas também seus seguidores&admiradores que espalham suas experiências individuais para seus íntimos e pessoais, como verdades absolutas do mundo das Lei do Universo. Nesses momentos me pergunto se o Universo também é capitalista.
Deixo claro que, acredito numa conexão subjetiva de todos os seres e de muitas camadas desse planeta Terra, mas não entro em estado de negação para todos os problemas que tornam esses seres completamente desiguais em vivências e oportunidades. Espiritualidade para quem?
Você com certeza ja ouviu, quase num tom de arrogância, alguém que olha para os problemas da Terra e do Mundo material como um delírio dos apegados, pregando que se tudo é luz e nada é permanente não existem responsabilidades individuais no sofrimento do Todo né? Pois é, tem gente que reproduz esse pensamento - Por quê se aproximar de assuntos que trazem tanta ‘densidade pro campo energético’ se nada efetivo poderei fazer por eles? - Se você já viu, conhece o linguajar. Isso não é sobre desacreditar das experiências e fé de cada indivíduo, mas sim sobre não silenciar os debates coletivos, políticos e urgentes só pra não furar a bolha da sua paz interior.
O espiritualismo que tenta resolver somente a própria vida dificilmente vai te incentivar a olhar para as sombras & sofrimentos sociais dos quais você faz parte, ou se beneficia e está inserida.
O termo IDIOTA vem do grego IDHIOS, um tanto diferente do emprego que damos a essa palavra nos dias atuais, um idhios era aquele indivíduo que renunciava aos assuntos da Polis, do coletivo, já que em sua postura autocentrada, ele sentia já ter 'transcendido' (atualizando os termos) essas preocupações.
Um pedido genuíno: Ao estar numa bolha de relações de influência espiritual (comunicativa ou prática, em espaços digitais ou físicos) tenha consciência de raça, classe e gênero. Não são todas as narrativas salvadoras do 'mindset' que cabem pra todos, na verdade são raríssimas as que servem, inclusive se souber de alguma comente aqui. Da mesma maneira que ao olharmos pro Ego (no processo do autoconhecimento) o desconforto aparece, assim será também com a noção de que os privilégios (branco, cis, hetero, classe) atravessam todas as camadas, até mesma essa.
A espiritualidade é estado e prática de conexão, é olhar para o sofrimento do corpo, da mente ou do espírito com cuidado e atenção. Mas não só para o seu corpo, a sua mente, a sua família, o seu espírito.
Dizem que tudo faz parte do nosso destino, mas será que todas as partes desse futuro precisam mesmo existir? Há partes desse futuro que podem ser mudadas, mas só por quem está realmente na Terra, e não por quem está se preparando para uma nova dimensão ignorando a realidade em que (pelo menos ainda) estamos.
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