top of page
capa2.jpg
Foto do escritora palavra solta

Um cria no Congresso

por Flávio Morgado



Uma entrevista com Derê Gomes, candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro.



David Gomes Lobo dos Santos, mais conhecido na Vila Cascatinha, comunidade do subúrbio carioca, como Derê, é para muitos daquela região, uma esperança de representatividade. Formado em História pela Universidade Estadual de Rio de Janeiro, Derê é um dos exemplos mais potentes de um mínimo de política pública nas favelas, foi pelo estudo, pela militância nas Brigadas Populares, atento desde cedo aos abismos sociais da cidade, à política de reordenação justa do espaço urbano, e vivendo tudo isso em seu trânsito, em sua família, em sua favela, que ele forjou a sua luta. Derê (PSOL-RJ) é o candidato escolhido por nossa coluna para essa apresentação, pois desde que o conheci, e vindo da mesma zona da cidade que ele, penso que são esses os nossos urgentes e mais aguerridos "intelectuais orgânicos" das favelas cariocas.



_________________




FM - Derê, como foi a sua formação política, e como ela o leva até a Faferj* (Federação de Associações de Favelas do Rio de Janeiro)? Qual a importância da atuação da Faferj hoje dentro das comunidades?


DERÊ - Minha formação política se dá no movimento popular, nas Brigadas Populares que é minha organização de origem. Foi nas Brigadas Populares que eu comecei a militar por moradia, por uma educação pública de qualidade e pelas favelas, chegando ao posto de Diretor da FAFERJ. A atuação da FAFERJ hoje é imprescindível na luta em defesa das favelas, tanto das suas pautas históricas como moradia e urbanização, quanto na luta contra o massacre cotidiano.







FM - Você é cria da Vila Cascatinha, comunidade nas imediações de Olaria, subúrbio do Rio. Somente no último ano, o governo Cláudio Castro matou 182 pessoas em 40 chacinas: todas elas concentradas em áreas periféricas. Uma das que mais ganhou o noticiário, dada a brutalidade, foi a chacina na Vila Cruzeiro, no primeiro semestre de 2022, uma comunidade vizinha à sua. Apesar de inúmeras demandas, o combate aos abusos da política de Segurança Pública ainda se coloca como o mais urgente? E em que medida é efetivamente possível atuar no Legislativo em relação à essa questão, sabendo o Congresso que temos?



DERÊ - O governo Witzel/Castro é um desastre completo. Uma chacota que foi eleita com a promessa de “dar tiro na cabecinha” das pessoas, não poderia produzir nada diferente do que chacinas eleitoreiras e políticas como as que o Cláudio Castro têm autorizado. Por isso eu digo que ele é O governador das Chacinas. Existem medidas efetivas e imediatas que podem ser feitas pelo Poder Legislativo e na minha militância eu já tenho atuado no sentido de implementar essas medidas a partir da articulação com o legislativo: fim das tróias, implementação de câmeras, microfones e GPS nos uniformes policiais, entre outras medidas podem ajudar nesse processo.






FM - Não seria o normal, dentro de uma lógica partidária, sendo você, ainda novo, primeiro tentar os cargos municipais, ir construindo capital político e, internamente, ir galgando os mandatos. Por que vir como deputado Federal? Passa por uma noção de oportunidade e urgência política, ou há um entendimento estratégico em torno dessa atuação?



DERÊ - Esse caminho é o caminho tradicional de quem herda cargo político de família, meu caminho é outro. Sou novo na política eleitoral e institucional, mas minha trajetória no movimento social já tem 10 anos de construção. Sou candidato a Deputado Federal porque é em Brasília que os grandes temas como fome e economia são debatidos e também por uma urgência política de representatividade no Congresso Nacional. Sou o único homem, de terreiro e cria de favela disputando uma vaga em Brasília pelo Rio de Janeiro.







FM - Uma outra frente de atuação sua se dá nas Brigadas Populares, um movimento que vem crescendo em torno das ocupações populares e da discussão habitacional. Como você, caso eleito, pensa em incorporar essa atuação no mandato?



DERÊ - A luta por moradia é a luta da minha vida, minha trajetória política se constrói a partir dela e com certeza essa luta terá destaque central na minha atuação no Parlamento. Levarei o acúmulo de 10 anos de atuação no movimento social de luta por moradia para o Congresso.





FM - Você é formado em História pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. E há nessa formação uma potência muito grande, não só no que isso significa socialmente, mas as possibilidades de narrativa da construção e da apropriação da cidade por parte da própria periferia. Como você pensa essa relação entre a produção de cultura e afirmação de uma autoestima da favela?



DERÊ - Produção cultural e autoestima favelada tem tudo a ver, pois é na cultura que a juventude preta e favelada se encontra na luta por sobrevivência, contra o seu próprio extermínio e contra o destino de morte ou cárcere traçado pela estrutura racista para quem vem de onde eu venho. O Funk, o samba e o Hip-hop enquanto manifestações culturais periféricas são fundamentais na construção da identidade da juventude preta e favelada.




Abdias do Nascimento discursa na Câmara




FM - Se pudesse escolher três grandes referências em sua formação e explicar, ainda que brevemente, em que sentido os tem como um farol, quais seriam?



DERÊ - Abdias Nascimento, Candeia e Barbosa com certeza. São 3 homens negros que foram verdadeiros “gênios da raça” como a gente costuma dizer e referências máximas do ponto de vista político, intelectual e cultural. Abdias com sua produção intelectual e política, abriu caminho para que hoje um homem preto cria de favela como eu pudesse disputar uma vaga no Congresso Nacional. Candeia defendeu a maior manifestação cultural do Planeta produzida pelo povo preto até a morte, fruto da minha querida Portela, minha escola de coração, não se furtou a fazer a crítica dura e necessária à Escola e até rompeu para criar algo novo que foi o GRANES Quilombo, em defesa do carnaval e da cultura preta. E Barbosa, grande ídolo do futebol brasileiro e do Vasco, meu time de coração, também foi genial e vitorioso e representa o quanto homens pretos não podem errar, pois qualquer erro nos marca para o resto das nossas vidas, mesmo que sejamos excepcionais.




Candeia



FM - O bolsonarismo, para muito além do governo de Jair Bolsonaro, ainda que venha a perder espaço nessas eleições, definitivamente se colocaram como um eixo político reacionário em nossa cena política. E uma das características que entendo como a mais fundamental dessa reinvenção (embora eu ache que seja a mesma direita, talvez a ala mais desavergonhada) da direita foi a sua capacidade de frontalizar todos os nossos males em quatro anos de governo. Um dos piores, um dos mais estruturais, é o racismo. Nunca os racistas se sentiram tão autorizados em seu modo de agir, são constantemente inflados, ou no mínimo, uma vista grossa. Como será lidar com a questão racial nos próximos anos? Uma vez que nunca esteve tão evidente o racismo, nunca esteve tão exposto o mais grotesco desse racismo estrutural…



DERÊ - Acho que para nós pretos não muda muito. A história desse país é marcada por um processo de longa duração de violência contra corpos negros e de resistência desses mesmos corpos negros. Bolsonaro para nós é mais uma página num livro que já teve escravidão, tortura, epistemicídio, estupro, massacre, desemprego e fome. Seguiremos resistindo com os caminhos que nossos mais velhos deixaram pra nós e outros que nossa malandragem nos permita criar.




Memorial à chacina no Jacarezinho, em protesto à política de segurança de Cláudio Castro



FM - Para fechar, não poderia deixar de mencionar a constante disputa entre os partidos de esquerda no momento mais crucial da nossa democracia. Como você lê essas querelas, essas disputas insolúveis que se dão em torno dos palanques e que acabam por enfraquecer uma coalizão de esquerda? Quais são os pilares do seu “fazer política”, uma vez eleito?



DERÊ - Acho que as disputas são boas, pois mostra o quanto somos diversos e democráticos. Faz parte e é saudável. Mas eu me pauto sempre pela busca incansável da unidade. Unidade não significa dissolução, nem abrir mão de princípios, mas sim, ressaltar o que nos une enquanto esquerda que é a luta pela construção de um Brasil mais justo e igualitário socialmente, racialmente e ambientalmente.



____________




Obrigado ao Derê Gomes. Conheçam suas redes.

22 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page